sexta-feira, 16 de maio de 2008

O DESAFIO DO EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL E POLÍTICA

Neste post vamos concluir os comentários sobre os desafios (colocados no artigo OS GRANDES DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL) para as empresas neste início do século 21: induzir o desenvolvimento (da empresa e do meio em que a empresa atua, elaborando, articulando e executando programas de sustentabilidade); fazer a gestão democrática da rede dos seus stakeholders (iniciando a transição do seu padrão de organização – de mainframe para network – e democratizando progressivamente seus procedimentos internos e externos); promover o voluntariado em torno de uma causa; e, exercer de uma nova maneira a sua responsabilidade social e assumir a sua responsabilidade política.

Neste artigo vamos abordar o quarto e último desafio: o exercício da responsabilidade social e política.

No que tange a esse quarto desafio, as questões constituiriam uma espécie de resumo do que já foi apresentado nos posts anteriores: como formular uma agenda de responsabilidade social e uma agenda de responsabilidade política que contemplem as questões-chave colocadas pelos outros desafios?

Mas aqui também o por quê deve vir antes do como e temos que colocar antes algumas perguntas básicas. Por que uma empresa deve ir além do exercício da sua responsabilidade social, assumindo a sua responsabilidade política? O que isso, afinal, tem a ver com a conquista da sustentabilidade empresarial?

Na verdade, trata-se do seguinte: além de exercer a responsabilidade social de uma nova maneira, a empresa em busca da sua sustentabilidade deve passar da responsabilidade social para a responsabilidade política.

Capital social, apesar do nome que sugere uma natureza econômica (capital) ou sociológica (social), tem natureza política. Tudo o que pode aumentar ou diminuir o fluxo do capital social, em uma organização ou em uma sociedade, depende da política, ou seja, dos padrões de organização e dos modos de regulação de conflitos.

Organização hierárquica e modos autocráticos de regulação de conflitos impedem a formação de capital social. Clientelismo, assistencialismo, centralização e clima adversarial, exterminam capital social. Corrupção e banditismo – sobretudo quando praticados de modo sistêmico, por partidos ou por Estados – pervertem a política, degeneram as instituições e criam grandes obstáculos ao desenvolvimento humano e social. E, sobretudo, corroem nas organizações empresariais a sua capacidade de inovar para se desenvolver. Ao invés de investir em pesquisa e desenvolvimento para enfrentar saudavelmente a concorrência, as empresas ficam seduzidas pelo ganho fácil que pode advir de sua associação com os poderosos ou ficam tentando influir para reduzir seus riscos, obter garantias, concessional loans, às vezes privilégios, reservas e outras proteções estatais que falsificam as regras de mercado. Não raro, nessa associação incestuosa com um poder político pervertido, as empresas são também corrompidas.

Uma empresa deve assumir a sua responsabilidade política evitando a reprodução dessas práticas exterminadoras de capital social, tanto interna, quanto externamente, cuidando também do que se passa no seu entorno local, estadual, nacional, regional ou mundial. Essa também é uma exigência – talvez a principal exigência – da sustentabilidade. Não pode haver empresa muito boa (em termos de boas chances de continuar existindo) em um ambiente muito ruim (em termos do baixo nível do capital social existente no seu entorno).

Se assim não fosse, os países mais desenvolvidos do mundo, em termos de desenvolvimento humano (IDH: PNUD), de competitividade e desenvolvimento econômico (GCI: WEF) e de sintonia com as inovações contemporâneas e desenvolvimento tecnológico (GI: AT Kearney/Foreing Policy) não seriam também os que possuem regimes democráticos, vigência de Estado de direito e respeito ao império da lei, robustez institucional (segurança jurídica e estabilidade regulatória), empresas mais longevas e sociedades mais cooperativas. Basta dar uma olhada na lista que surge do cruzamento desses indicadores. (Em ordem alfabética): Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Hong Kong, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Singapura, Suécia e Suíça. Curiosamente, porém significativamente, países cuja promessa de pujança econômica anda tão proclamada e elogiada nos dias que correm, como os integrantes do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), não constam da lista dos mais desenvolvidos (e com mais chances de sustentabilidade). E, obviamente, também não constam da lista países em que o capital social vem sendo dilapidado por regimes políticos ditatoriais (como Cuba e Coréia do Norte), protoditatoriais (como Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e a própria Federação Russa, já citada), ou por regimes manipuladores (como a Argentina e outras democracias formais parasitadas por governos populistas). Ora, isso não pode ser por acaso, pode?

Até agora nossas empresas tiveram, como já foi mencionado neste texto, uma atuação política, vamos dizer assim, pouco responsável. Pensaram nos seus próprios interesses imediatos, pensaram no que seria “bom para os negócios” no curto prazo, quer dizer, não pensaram em termos de sustentabilidade.

Por certo, empresa sustentável é, antes de qualquer coisa, aquela que dá lucro: mas não somente hoje e sim também amanhã, e depois de amanhã, e depois...

Parece óbvio que responder essas questões-chave colocadas pelos grandes desafios da sustentabilidade exige uma dose considerável de esforço coletivo, de experimentalismo inovador, de tentativa e erro, de acúmulo de fracassos como condição para o sucesso. Mas não há outra saída.

A sustentabilidade jamais estará dada, ela deverá ser permanentemente conquistada e talvez se confunda com o caminho que percorremos na sua busca. O importante é não parar no caminho, não interromper a busca, não ficar nem um instante sem se mover. Quem deixa de se desenvolver (de inovar), morre. Essa é grande lição da sustentabilidade que aprendemos com os seres vivos.

De todo modo, para além dos árduos esforços que todos ainda deveremos fazer, alguma coisa, certamente, poderá ser facilitada pela compreensão mais profunda e mais abrangente do problema. É possível elaborar novas matrizes de sustentabilidade que articulem os grandes desafios e as questões-chave colocadas por esses desafios para as empresas atuais de uma forma que aumente a nossa compreensão.

Com base nos elementos conceituais inovadores aventados listados abaixo, podemos encontrar uma nova matriz de sustentabilidade empresarial:

· Sustentabilidade é a capacidade de um sistema de mudar de acordo com a mudança das circunstâncias.

· Só é sustentável o que consegue conservar sua organização e sua adaptação a um meio em contínua mudança.

· Crescimento (ou expansão, mudança quantitativa) não é a mesma coisa que desenvolvimento (mudança qualitativa). Nem tudo que cresce é sustentável: só é sustentável o que se desenvolve continuamente.

· Desenvolvimento é sempre co-desenvolvimento. Desenvolvimento é o resultado da ação (ou da dinâmica) de uma rede de co-desenvolvimentos interdependentes. Só se desenvolve quem promove o desenvolvimento (do meio em que está inserido).

· Desenvolvimento é sempre desenvolvimento humano e social. Sociedades só se transformarão em comunidades sustentáveis na medida em que seus padrões de organização e de convivência social forem capazes de constituir ambientes favoráveis ao desenvolvimento humano e social, o que depende da maneira como as pessoas interagem (padrão de organização) e de como regulam seus conflitos (modo de regulação). Quanto mais padrões de organização em rede (distribuída) e modos de regulação (democráticos) estiverem presentes, maiores serão as chances de uma organização não apenas crescer, mas se desenvolver.

· Desenvolvimento é algo que acontece em sociedades humanas, nas redes que se formam nessas sociedades, nas redes sociais. Redes sociais são capital social, um tipo de capital que não é levado em conta pela economia do crescimento, mas que é fundamental para uma “economia do desenvolvimento”.

· Capital social é um recurso para o desenvolvimento aventado recentemente para explicar por que certos conjuntos humanos conseguem criar ambientes favoráveis à boa governança, à prosperidade econômica e à expansão de uma cultura cívica capaz de melhorar suas condições de convivência social. Como tais ambientes são ambientes sociais cooperativos, capital social é, fundamentalmente, cooperação ampliada socialmente. Ora, rede social (distribuída) é um meio pelo qual (ou no qual) a cooperação pode se ampliar socialmente (inclusive, em certas circunstâncias, convertendo competição em cooperação).

· Sustentabilidade é sinônimo de desenvolvimento (tomado a partir de uma perspectiva sistêmica).

· A sustentabilidade das sociedades humanas é o novo nome do desenvolvimento, uma característica do padrão dinâmico de rede e, ao mesmo tempo, um dos efeitos do processo de democratização.

· O modelo de desenvolvimento compatível com o conceito de sustentabilidade é um modelo regulacional (ao invés do modelo transformacional e do modelo variacional): o que chamamos de desenvolvimento é algo que acontece em rede e é essa rede que regula a adaptação, mudando seu programa de adaptação, ou seja, aprendendo (e isso é o que se chama de sustentabilidade ou desenvolvimento de um ponto de vista sistêmico).

· Assim como nada (ou ninguém) pode se desenvolver sozinho, um sistema também não pode ser sustentável por razões intrínsecas (ou a partir da sua dinâmica endógena), mas somente no conjunto de relações que o ligam a outros sistemas.

· Só sistemas dinâmicos complexos que adquiriram características adaptativas – apresentando a estrutura de rede distribuída – podem ser sustentáveis.

· Nenhuma empresa (tomada como uma unidade administrativo-produtiva isolada) pode ser sustentável. O que é sustentável é o sistema composto pela empresa e por todos aqueles nela interessados (ou seja, a rede dos seus stakeholders).

· Nenhuma empresa pode alcançar sustentabilidade por razões estritamente empresariais, apenas em virtude da dinâmica de mercado. Portanto, para além da racionalidade competitiva (que caracteriza o mercado), a empresa deve incorporar outras racionalidades (como a cooperativa, presente na sociedade civil e a normativa, presente na esfera da política pública).

No elenco acima estão reunidos os elementos necessários para uma abordagem mais orgânica da problemática da sustentabilidade empresarial e, inclusive, para o estabelecimento de uma relação intrínseca entre a busca da sustentabilidade (organizacional) e o exercício da responsabilidade social (corporativa). Tratar-se-ia agora de encadeá-los em uma argumentação consistente. Na continuidade do presente texto, vamos procurar fornecer mais elementos que facilitem a realização dessa tarefa.

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