quinta-feira, 15 de maio de 2008

DESENVOLVIMENTO COMO REDE DE CO-DESENVOLVIMENTOS INTERDEPENDENTES

Vimos nos dois posts anteriores duas idéias seminais, surgidas nas últimas décadas, que nos ajudam a entender o conceito de sustentabilidade: a autopoiese e o conjunto interdependência-reciclagem-parceria-flexibilidade-diversidade. Vamos agora ver a terceira: o desenvolvimento como rede de co-desenvolvimentos interdependentes

Uma terceira idéia fulcral para a compreensão dos fundamentos do conceito de sustentabilidade foi fornecida por Jane Jacobs, em 2000, no livro “A natureza das economias”. Jacobs elencou três princípios fundamentais do desenvolvimento:

1) O primeiro princípio fundamental do desenvolvimento de Jacobs é o seguinte: “O processo de desenvolvimento implica diferenciações emergindo de generalidades”.

2) O segundo princípio é o seguinte: “As diferenciações se tornam generalidades das quais emergem novas diferenciações”. (“Em outras palavras – escreve ela – desenvolvimento é um processo aberto que cria complexidade e diversidade, porque múltiplas generalidades são fontes de múltiplas diversificações – algumas ocorrendo simultaneamente, em paralelo, outras em seqüência. Portanto, um simples processo básico, quando se repete, se repete e se repete, produz atordoante diversidade”).

3) O terceiro e último princípio fundamental do desenvolvimento é o seguinte: “Desenvolvimento depende de co-desenvolvimentos”. (“Quero dizer – explica Jacobs – que não adianta pensar o desenvolvimento ‘linearmente’, ou mesmo como um conjunto de linhas abertas. Ele opera como uma rede de co-desenvolvimentos interdependentes. Sem essa rede não há desenvolvimento”).

A partir desses princípios podemos afirmar que, para Jacobs, desenvolvimento sem uma rede de co-desenvolvimentos é tão impossível para uma economia como para um desenvolvimento biológico. Que desenvolvimento é um processo aberto que produz diversidade crescente, além de numerosas, múltiplas, intrincadas relações crescentes de co-desenvolvimento. E que, no que chamamos de desenvolvimento, há um estupendo processo em ação: desenvolvimentos e co-desenvolvimentos através de diferenciações; expansão através da diversificação; continuidade através de auto-reabastecimento; estabilização através da autocorreção – todos ativados através de auto-organização imprevisível.

O mais importante, porém, é a idéia de que o modelo de desenvolvimento (compatível com o conceito de sustentabilidade) é um modelo regulacional ao invés do modelo transformacional (que inspira o comportamento de entes de vontade, como um partido ou o Estado) e do modelo variacional (adotado pelas explicações darwinistas da evolução natural e, em alguns casos, para modelar a dinâmica do mercado): o que chamamos de desenvolvimento é algo que acontece em rede e é essa rede que regula a adaptação, mudando seu programa de adaptação, ou seja, aprendendo (e isso é o que se chama de sustentabilidade ou desenvolvimento de um ponto de vista sistêmico).

Que rede é essa? Do ponto de vista da Jacobs da maturidade (2000) – que tenta captar um padrão que se aplique tanto a biologia quanto a sociologia – ela envolve um conjunto muito grande de componentes animados e inanimados. Mas se reservamos o termo desenvolvimento para sociedades humanas, trata-se então da rede social. Aquela mesma rede social que, aliás, foi definida por uma Jacobs mais-jovem (1961), há mais de quarenta anos, portanto (em “The death and life of great american cities”), como o capital social indispensável para promover a “vida” das cidades, para tornar a localidade uma entidade viva, vibrante, efervescente... ou seja (ela não disse, mas poderíamos resumir), uma comunidade em processo de desenvolvimento.

A idéia de que o que chamamos de desenvolvimento é sempre a operação de uma rede de co-desenvolvimentos interdependentes, de que sem essa rede não há desenvolvimento, é muito importante. É a idéia fundante da nova concepção de desenvolvimento que vem emergindo nos últimos anos.

Desenvolvimento seja o que for, é algo que acontece em sociedades humanas, nas redes que se formam nessas sociedades, nas redes sociais. Redes sociais são capital social, um tipo de capital que não é levado em conta pela economia do crescimento, mas que é fundamental para uma “economia do desenvolvimento”. Ou seja, para uma “economia do desenvolvimento” (que é mudança qualitativa), o capital social é tão importante como o capital propriamente dito (financeiro e físico: produto ou renda e propriedade produtiva) o é para uma economia do crescimento (que é mudança quantitativa).

Assim, para o desenvolvimento (necessariamente social), o capital social não é equivalente aos demais capitais que foram aventados, em sentido metafórico, além da renda e da riqueza, como o capital natural e o capital humano. Ele é o fator sem o qual o processo de mudança qualitativa operado pela e/ou na rede social não acontece. Porque ele, no fundo, é a própria rede social.

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