segunda-feira, 12 de maio de 2008

ANÁLISE DO CONTEÚDO DOS PRINCÍPIOS DO GLOBAL COMPACT PARA A EDUCAÇÃO EXECUTIVA DE ALTO NÍVEL

A proposta do Pacto Global de reforma (ou aggiornamento) da chamada educação executiva de alto nível está baseada em uma redefinição de propósito, de valores, de método, de (foco de) pesquisa e de (ampliação das) parcerias e do diálogo. Segundo a proposta, o novo tratamento desses seis focos deveria ser orientado por princípios pactuados por todos os participantes e operados por uma parceria (privilegiada) entre setores empresariais e instituições acadêmicas.

Assim surgiram os seis Princípios para a Educação Empresarial Responsável, que tentam estabelecer uma relação intrínseca (ou um nexo conotativo) entre educação empresarial, responsabilidade social e sustentabilidade (em um sentido, porém, ainda marcadamente setorial, relativo à sustentabilidade ambiental).

Mas isso já é, inegavelmente, um grande avanço. Até agora a responsabilidade social foi (e em grande parte ainda é) tratada como um assunto lateral nas empresas e, inclusive – por incrível que pareça – nas business schools. Nas empresas o tema ainda é encarado, predominantemente, como ação de marketing. Nas maiores escolas de negócios, do Brasil e do mundo, os temas da responsabilidade social e da sustentabilidade já comparecem, mas sem um vínculo orgânico com os eixos curriculares normais: estratégia, gestão organizacional, gestão de pessoas e (em alguns casos, de instituições mais avançadas) gestão de stakeholders.

É positivo, portanto, vale repetir, tentar vincular organicamente os três temas a partir de uma declaração de princípios pactuados. No entanto, se permanecer no terreno dos princípios, a iniciativa corre o risco de se esgotar em manifestações declaratórias (que serão incorporadas ao marketing das empresas e das business shools, compondo seu novo discurso – tal como ocorreu com a responsabilidade social de modo isolado e, inclusive, com as preocupações com a sustentabilidade global).

Além disso, mudar os parâmetros curriculares das instituições de alto aprendizado envolvidas na educação de atuais e futuros administradores, apenas incorporando os novos temas (e adestrando os futuros líderes na reprodução do novo discurso) também não é suficiente para promover a verdadeira transformação de padrões de organização e de modos de regulação exigida para concretizar os princípios enunciados pelo Global Compact.

Percebe-se aqui, claramente, uma deficiência teórica e metodológica. Entende-se que os princípios tenham mesmo que ser gerais o suficiente para possibilitar uma ampliação do pacto. Princípios muito detalhados dificultariam a adesão em ampla escala dos atores, enfraquecendo em vez de fortalecer a iniciativa, que ficaria restrita a poucos visionários.

Tudo isso é compreensível. No entanto, os seis princípios enunciados não levam ao estabelecimento de uma relação orgânica entre educação empresarial, responsabilidade social e sustentabilidade. A coisa ainda está no campo das boas intenções, de valores a serem infundidos – denunciando uma visão platônica que privilegia a força das idéias sobre os processos participativos na mudança de atitudes e comportamentos (como pretendo mostrar mais adiante).

Vamos examinar o conteúdo dos princípios enunciados para depois tentar mostrar os desdobramentos que seriam necessários para alcançar o objetivo proposto pelo Global Compact no que tange à educação empresarial.

Princípio 1. Propósito: Nós vamos desenvolver as capacidades dos estudantes para serem futuros geradores de valor sustentável para negócios e sociedade no geral e para trabalharem a favor de uma economia global sustentável e inclusiva.

Princípio 2. Valores: Nós vamos incorporar em nossas atividades acadêmicas e currículos os valores da responsabilidade social global apresentados em iniciativas internacionais, como o Pacto Global da Organização das Nações Unidas.

Como declarações de princípios as duas sentenças acima estão corretas.

Princípio 3. Método: Nós vamos criar estruturas, materiais, processos e ambientes que possibilitem experiências eficazes de aprendizado para liderança responsável.

Não há qualquer sugestão de método neste princípio, apenas a afirmação de que é necessário encontrar métodos capazes de viabilizar uma educação empresarial responsável para a sustentabilidade. Mas não é partindo da criação de “estruturas, materiais, processos” que se conseguirá alcançar esses métodos (e é bom manter essa palavra sempre no plural!) e sim, como declara corretamente o princípio, criando “ambientes que possibilitem experiências... de aprendizado”. Ah! Sim. Aqui sim! Caberia dizer, entretanto, que tipo de experiências seriam essas. Se quisermos avançar em termos de concretização será necessário estabelecer parâmetros.

Parece óbvio que responder as questões-chave colocadas pelos grandes desafios da sustentabilidade exige uma dose considerável de esforço coletivo, de experimentalismo inovador, de tentativa e erro, de acúmulo de fracassos como condição para o sucesso. Mas não há outra saída.

A sustentabilidade jamais estará dada, ela deverá ser permanentemente conquistada e talvez se confunda com o caminho que percorremos na sua busca. O importante é não parar no caminho, não interromper a busca, não ficar nem um instante sem se mover. Quem deixa de se desenvolver (de inovar), morre. Essa é grande lição da sustentabilidade que aprendemos com os seres vivos. Não são as idéias (proclamadas e repetidas no discurso) que modificam os comportamentos e sim as experiências (ensaiadas, vivenciadas) de novos comportamentos.

Princípio 4. Pesquisa: Nós vamos nos engajar em pesquisas conceituais e empíricas que melhorem nossa compreensão sobre o papel, a dinâmica e o impacto de empresas na criação de valores de sustentabilidade social, ambiental e econômica.

Em primeiro lugar, vamos examinar a concepção de sustentabilidade embutida nesse quarto princípio. Há aqui uma visão setorial da sustentabilidade, que segue a crença, que se difundiu amplamente a partir da proposta do Triple Bottom Line ou do “Triplo Resultado”, introduzida por John Elkington, em 1998, no livro “Cannibals with Forks: the Triple Bottom Line of 21st Century Business”. Vamos tomar como exemplo a definição, bastante adotada nos últimos dois anos (de Andrew Savitz e Karl Weber: 2006):

“Empresa sustentável é aquela que gera lucro para os acionistas, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida das pessoas com que mantém interações.”

Ao ler tal definição, as pessoas tendem a achar que é disso mesmo que se trata: sustentabilidade econômica (gerar lucros), sustentabilidade ambiental (proteger o meio ambiente) e sustentabilidade social (melhorar a vida dos cidadãos).

Mas o conceito de sustentabilidade vai muito além dessas coisas, conotando um sentido sistêmico que não pode ser adequadamente traduzido por uma soma de ações setoriais: econômicas, ambientais e sociais.

Embora qualquer empresa tenha como objetivo precípuo a geração de lucro e deva ter a responsabilidade suficiente para não destruir os recursos que serão necessários para a vida da geração presente e das gerações futuras e para não afetar negativamente as sociedades que sofrem o impacto de seu funcionamento, sua sustentabilidade não poderá ser conquistada (e não estará garantida) apenas com a efetivação dessas medidas preconizadas pelos defensores do “Triple Bottom Line”.

Ademais, tal definição é imprecisa, pois não se trata exatamente de ‘proteger’ o meio ambiente e sim de promover a sua conservação de forma dinâmica (isto é, dinamizando as potencialidades naturais latentes em prol do desenvolvimento). E é imprecisa também porque não se trata exatamente de ‘melhorar a vida das pessoas’ individualmente e sim de contribuir para a criação de ambientes que favoreçam o seu desenvolvimento humano e social.

Por último, tal definição é flagrantemente incompleta, pois embora considere as dimensões econômicas, ambientais e sociais da sustentabilidade, não leva em conta a sua dimensão política.

Quando Elkington propôs, em 1998, o conceito de “Tríplice Resultado”, ele estava sugerindo que as empresas avaliassem o sucesso não só com base no desempenho financeiro (lucro, retorno sobre o investimento – ROI, ou valor para os acionistas), mas também sob o ponto de vista de seu impacto sobre a economia mais ampla, sobre o meio ambiente e sobre a sociedade em que atuam. Assim, o “Tríplice Resultado” poderia ser expresso por meio de uma tabela como a publicada por Savitz & Weber em 2006 (no livro “The Triple Bottom Line”):

Parece óbvio que está faltando uma coluna na tabela acima, relativa aos impactos políticos da atuação da empresa. Não adianta dizer que a dimensão política já está presente implicitamente nos fatores considerados, pois todos sabemos que não está: onde colocar, por exemplo, os financiamentos de campanhas de candidatos promovidos pelas empresas?

Também parece muito fraca a explicação de que a ação empresarial não pode se intrometer na dimensão política. Supondo que isso fosse verdade, quer dizer, que as empresas não fizessem política (e no mal sentido, em geral) o tempo todo, por que razão elas não poderiam fazê-lo? Não estamos falando da política partidária, é claro.

É possível mostrar que não adianta muito para uma empresa exercer a sua responsabilidade econômica, ambiental e social se não exercer também a sua responsabilidade política.

Mas quais seriam os indicadores que deveriam constar de uma quarta coluna a ser acrescentada à tabela acima (a coluna da dimensão política)? Por certo não deverá ser o grau de alinhamento da empresa a partidos ou candidatos. Uma empresa não pode se partidarizar, sob pena de contrariar a diversidade de opiniões e interesses de seus stakeholders. E, muito menos, deveria ser a colaboração com governos por princípio, sem prestar atenção aos critérios éticos, democráticos e de desenvolvimento que estão orientando a atuação desses governos. Infelizmente, isso ainda é feito por boa parte das grandes empresas, em nome de uma suposta neutralidade ou não interferência na esfera política. Mas, na verdade, trata-se de mera desculpa para não se prejudicar (ou para levar algum tipo de vantagem sobre a concorrência), ficando sempre ao lado do poder: uma fórmula tão fácil quanto injustificável do ponto de vista ético-político, que já levou a várias tragédias conhecidas, como a adesão de grandes empresários ao governo de Hitler na Alemanha dos anos 30 do século passado (alguns chegaram até a financiar muitas das barbaridades nazistas: Ig-Farben, Siemens, Krupp, Bayer e tantos outros, devem ter avaliado que seria “bom para os negócios”).

Ora, se não devem ser esses os indicadores políticos de sustentabilidade empresarial, quais seriam então?

Podemos aventar aqui quatro tipos de indicadores:

1) a natureza inovadora (ou não) dos programas de responsabilidade corporativa promovidos pela empresa (uma empresa que exerce a sua responsabilidade social promovendo programas conservadores – não-inovadores – de caráter assistencialista, clientelista ou centralizador, não contribui para a conquista da sustentabilidade);

2) a adoção de padrões de organização em rede dentro e fora da empresa, por meio de uma adequada gestão de redes de stakeholders (pois uma empresa que adota padrões verticais, hierárquicos ou piramidais, na sua organização interna e no relacionamento com seus stakeholders, também não contribui para a conquista da sustentabilidade);

3) a adoção de modos democráticos de regulação de conflitos dentro e fora da empresa (pois uma empresa que adota métodos autocráticos – quase monárquicos – para regular o seu funcionamento interno e o seu relacionamento com os seus stakeholders, certamente estará em dessintonia com uma sociedade que tende a se democratizar na medida em que assume a morfologia e a dinâmica de uma sociedade-rede); e

4) a adoção de critérios éticos, democráticos e de desenvolvimento para o seu relacionamento com o sistema político (pois uma empresa que financia campanhas de políticos corruptos ou apóia agentes, governos, partidos e organizações não comprometidos com a democracia e o desenvolvimento, igualmente não pode contribuir para a conquista da sustentabilidade).

Se adotássemos novos indicadores de sustentabilidade como esses – todos eles, perceba-se bem, de natureza política, ou diretamente relacionados com a política – alteraríamos radicalmente a maneira como o setor empresarial ainda se comporta nessa área.

Em segundo lugar, vamos falar do objeto ou do foco da pesquisa de que fala o Princípio 4. Ela deveria se concentrar no que está faltando nos modelos explicativos sobre sustentabilidade empresarial. É necessário mostrar por quê o exercício da responsabilidade corporativa é necessário, por razões de empresa, para aumentar as chances de sustentabilidade de uma organização.

Sem uma resposta convincente para essa pergunta, caímos novamente nas razões de marketing e aí vale qualquer coisa, ou qualquer coisa que estiver na moda, como o balanço social, a ISO 26000 e os famosos indicadores de responsabilidade social associados à sustentabilidade – em geral setoriais ou multisetoriais e não-sistêmicos, e com forte ênfase na área ambiental (como a ISO 14064) – que vêm sendo adotados, como o Índice Dow Jones e os Princípios do Equador no caso das instituições financeiras.

Nada disso, por certo, é inútil. São louváveis todos os esforços das empresas para, ao mesmo tempo em que geram lucros para seus acionistas, proteger o meio ambiente e melhorar a vida das pessoas com que mantêm interações. O problema é que nenhum desses instrumentos e indicadores de responsabilidade social e de sustentabilidade, consegue se justificar por razões intrínsecas, que tenham a ver com a própria idéia de sustentabilidade e com seus fundamentos. Na falta de uma “ciência da sustentabilidade” e de hipóteses corroboradas por pesquisas experimentais, a relação entre responsabilidade corporativa e sustentabilidade teria que ser mostrada pela força dos argumentos. Mas o que menos se encontra nas teorizações atuais sobre responsabilidade corporativa e sustentabilidade são argumentos convincentes. Em geral as pessoas estão preocupadas em articular discursos, apelando para exemplos impactantes ou para previsões catastróficas capazes de comover o público (é o caso, claramente, de uma parte dos discursos ambientalistas sobre o aquecimento global). Ou, então, estão dedicadas a formular novos indicadores, apostando, talvez, no efeito mítico das fórmulas matemáticas para passar a impressão de que há uma ciência por trás do que estão propondo.

Para elaborar uma argumentação convincente teríamos que voltar nossa atenção para os fundamentos do conceito de sustentabilidade e refazer o caminho conceitual que nos trouxe até aqui, quer dizer, até o ponto de podermos formular os desafios de sustentabilidade colocados para as empresas neste início do século 21.

Princípio 5. Parceria: Nós vamos interagir com administradores de empresas de negócios para ampliar nosso conhecimento sobre seus desafios na busca de responsabilidades sociais e ambientais e explorar maneiras eficazes de enfrentar estes desafios.

Sim, isso é correto, desde que não dividamos a responsabilidade corporativa em setores ou “caixinhas” (social, ambiental) e que não esqueçamos da sua responsabilidade política (já mencionada aqui).

Princípio 6. Diálogo: Nós facilitaremos e apoiaremos diálogo e debate entre educadores, empresas, governo, consumidores, mídia, organizações da sociedade civil e outros grupos interessados e investidores sobre questões críticas relacionadas à responsabilidade e sustentabilidade social no mundo.

Este, por incrível que pareça, é o melhor princípio. Primeiro porque sem o diálogo (que pressupõe relação horizontal... em rede) entre os diferentes stakeholders é impossível alcançar sustentabilidade. Segundo porque envolve outros atores além da privilegiada parceria entre empresas, business schools, e instituições acadêmicas (que se justifica no tocante à pesquisa, mas que é insuficiente para uma redefinição dos termos envolvidos nessa relação).

Por último, as questões críticas relacionadas à responsabilidade e sustentabilidade social (!) no mundo são as mesmas questões. Não são duas ordens de questões como sugere o enunciado do sexto princípio. Essa é a perspectiva sistêmica que está faltando em toda a formulação dos princípios do Global Compact aplicados à educação empresarial (e, inclusive, nos seus dez princípios gerais).

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