sexta-feira, 16 de maio de 2008

O DESAFIO DA INDUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

Dissemos, no post anterior - OS GRANDES DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL - sobre os grandes desafios colocados para as empresas neste início do século 21, todos ligados, de alguma forma, à problemática da sustentabilidade. A sustentabilidade, hoje, exige que a empresa atue como agente de desenvolvimento, que saiba fazer a gestão da sua rede de stakeholders (e que, para tanto, inicie a transição do seu padrão de organização – de mainframe para network – e democratize progressivamente seus procedimentos internos e externos), que tenha uma causa para promover o voluntariado e que aprenda a articular politicamente não apenas seus interesses, mas também a sua causa, exercendo de uma nova maneira a sua responsabilidade social e assumindo a sua responsabilidade política.

Vamos abordar o primeiro desafio, o da indução do desenvolvimento. Se se trata de induzir o desenvolvimento da localidade onde a empresa está sediada ou do setor em que ela atua, quais seriam as metodologias mais adequadas para fazer isso? Se a indução do desenvolvimento exige a articulação e a execução de programas inovadores de investimento em capital social, que programas seriam esses, quais as suas características, como eles poderiam ser desenhados e quais os requisitos para a sua aplicação?

Antes, porém, seria necessário compreender as razões pelas quais a empresa deveria fazer essas coisas. Por que, afinal, uma empresa deve induzir o desenvolvimento do meio em que atua (da localidade onde está sediada ou do setor em que está inserida)? E por que ela precisa elaborar, articular e executar novos tipos de programas para fazer isso?

Induzir o desenvolvimento endógeno de localidades e setores é a melhor maneira de investir em capital social. Adotar 200 crianças em uma favela para aplicar um programa de educação ou de saúde comunitária, construindo uma espécie de vitrine da ação social da empresa e tendo que manter uma equipe de assistentes sociais e educadores populares à disposição desse trabalho, é menos sustentável do que promover o desenvolvimento local integrado dessa comunidade para que ela própria possa, algum dia, cuidar das suas crianças. Isso parece tão óbvio que dispensaria uma justificativa. No primeiro caso, quando pararmos de sustentar financeiramente o programa, tudo (ou quase tudo) voltará à estaca zero. No segundo caso, ficará algum saldo positivo do trabalho, sobretudo em termos organizativos. Para além de outros resultados que possam ser alcançados, esse saldo será sempre um incremento do capital social.

Esse tipo de atuação envolve um outro tipo de programa, com características bem diferentes dos chamados “programas sociais” tradicionais. Dentre as características inovadoras desses programas, talvez a principal seja a seguinte: eles não se baseiam apenas em diagnósticos de carecimentos ou necessidades e sim, sobretudo, nos ativos ou potencialidades que toda comunidade possui, mas que, em geral, estão em estado latente e precisam ser dinamizados. É por isso que tais programas são capazes de mobilizar e alavancar recursos novos em vez de ficarem eternamente dependentes de um orçamento institucional. O investimento no desenvolvimento endógeno prevê o incremento de todos os tipos de recursos econômicos, sociais e ambientais, que afetam a vida da comunidade e seus padrões de convivência social. Ora, ao serem incrementados, tais recursos também poderão ser utilizados pela empresa em maior quantidade.

Não basta, entretanto, para a empresa, aplicar, em uma localidade ou setor, uma metodologia qualquer de indução do desenvolvimento endógeno. É preciso que ela faça isso em parceria com outras instituições e em conexão com as pessoas que vivem nessa localidade ou atuam nesse setor. Existem sólidas evidências de que a produção de capital social depende diretamente das parcerias entre atores diferentes. Programas promovidos por um ator isoladamente (que freqüentemente quer atuar sozinho para ficar com todo o crédito pelos resultados alcançados), criam inevitavelmente dependência nos seus participantes, que identificam, naquele centro promotor único, a fonte dos recursos que podem beneficiá-los. Conseqüentemente, desmobilizam os esforços dos participantes no sentido de aportar ou alavancar recursos novos para a consecução das ações previstas.

Existem também fortes evidências de que tais parcerias, se forem intersetoriais – abrangendo os três tipos principais de agenciamento: o Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil ou a comunidade – são capazes de propiciar um fluxo mais intenso de capital social na sociedade. As parcerias – sua variedade, sua intersetorialidade – constituem, inclusive, um critério de avaliação da geração de capital social efetivada por programas desse tipo.

Esse investimento sistêmico no capital social tende a aumentar também o capital humano e pode ajudar a conservar o capital natural no entorno da empresa. Ao se engajar em um tipo de iniciativa como essa, a empresa cria condições favoráveis ao seu próprio desenvolvimento, pois expande incrivelmente sua rede de relações externas, além de conseguir comover e engajar seu público interno em uma causa.

O desempenho da empresa depende do capital humano e do capital social que está no ambiente no qual ela se relaciona. Uma empresa imersa em um ambiente que apresente níveis baixíssimos de capital humano e de capital social terá imensas dificuldades para se desenvolver, mesmo que seus estoques próprios desses "capitais" sejam volumosos e de boa qualidade (o que seria um caso raro, uma vez que as pessoas que constituem uma empresa em geral integram outras instituições que compõem o ambiente externo da empresa). Quanto mais relações interorganizacionais intersetoriais a empresa mantiver, mais condições ela terá de aproveitar do capital humano e o capital social existentes no meio exterior. Mas isso só ocorrerá (quer dizer, esse efeito benéfico do meio sobre a empresa só acontecerá) quando as relações estabelecidas entre a empresa e o meio forem relações de parceria – ou seja, relações cooperativas, em rede e democráticas. Ora, relações interorganizacionais de parceria são relações de mão dupla. Nesse tipo de relação, todos os parceiros devem ganhar e a empresa não poderá auferir nenhum efeito benéfico do meio se ela também não beneficiar o meio. Estamos falando daquilo a que Jane Jacobs (2000) se referiu quando escreveu que todo desenvolvimento é co-desenvolvimento.

Uma empresa não pode auferir os efeitos benéficos do meio – em termos de incorporar capital social proveniente das suas relações externas – (e não beneficiará o meio) se essas relações forem baseadas no padrão de jogo ganha-perde (o outro tendo sempre que perder para que a gente possa ganhar ou vice-versa); se forem relações verticais, de subordinação dos outros a nós (ou de nossa sujeição aos outros); se forem baseadas em modos violentos ou coercitivos de regulação dos conflitos que porventura possam surgir (fazendo valer a nossa força para dizer o que os outros devem ou não devem fazer a partir da nossa vontade ou sendo submetidos à vontade alheia contra as nossas opiniões e interesses).

É por isso que se diz que o desenvolvimento de uma empresa depende sempre das relações que ela estabelece dentro de suas fronteiras e das relações que atravessam essas fronteiras. Ou seja, depende do ambiente interno e do ambiente externo e, sobretudo, das relações que se efetivam entre o que está dentro e o que está fora. Sustentabilidade, de um certo ponto de vista, é a capacidade de manter a congruência entre esses dois ambientes.

Nenhum comentário: