sexta-feira, 6 de junho de 2008

UM DEBATE QUE ESTÁ ROLANDO NA REDE EMPRESARIAL

Sobre as relações entre responsabilidade social e sustentabilidade empresarial

No dia 20 de junho de 2008, logo após o encerramento oficial do Global Fórum América Latina, que ocorrerá no CIETEP, em Curitiba a partir do dia 18, haverá a Pós-Conferência Redes Sociais e Sustentabilidade, com a participação de Juan Urrutia, David de Ugarte e Augusto de Franco. A mesa será coordenada por Rodrigo Loures.

Várias idéias importantes estarão em debate neste evento. Adianto aqui as discussões que pretendo propor aos outros palestrantes e aos participantes.

Uma empresa deve exercer de uma nova maneira a sua responsabilidade social se quiser trilhar o caminho da busca da sustentabilidade. Uma empresa não pode conquistar sua sustentabilidade apenas por razões empresariais, econômicas, de mercado e, portanto, deve atuar em outros setores, regidos por outras lógicas ou por outras racionalidades. Em outras palavras, a dinâmica competitiva (própria do chamado segundo setor) é necessária, mas não é suficiente quando o assunto é sustentabilidade (exigindo que se incorpore também, no processo de conquista da sustentabilidade, outras dinâmicas, cooperativas e normativas). Mas por quê?

A explicação é bem simples. Nenhuma empresa consegue, ao mesmo tempo, produzir todos os capitais de que precisa e se manter economicamente viável no curto e no longo prazos.

Parte considerável do capital natural, do capital humano e do capital social que a empresa utiliza em seus processos produtivos ou econômicos já deve estar no ambiente em que a empresa existe. No tocante ao capital natural, por exemplo, alguns desses recursos (como o ar atmosférico) ainda não têm custo, mas outros (como a água doce, os recursos minerais e ambientais de um modo geral) já têm. Para o processo econômico ser viável é necessário que esses custos sejam compatíveis com o preço de mercado dos produtos ou serviços da empresa. É mais difícil montar uma empresa de produtos biológicos no deserto de Atacama do que em Santiago do Chile.

No tocante ao capital humano, é quase a mesma coisa. Parte do capital humano que a empresa utiliza não foi formada por ela e sim pelos sistemas público e privado de ensino e pelos esforços de auto-aprendizado dos indivíduos. Tudo isso foi pago com recursos dos cidadãos (via receita fiscal, pelo Estado e pela poupança e salário das famílias). Se uma empresa fosse pagar pela formação de todo capital humano que utiliza, ficaria inviável economicamente.

Além disso, uma empresa precisa ter condições favoráveis para substituir seus colaboradores (que falecem, ficam doentes ou mudam de emprego) sem ter que fazer para isso grandes investimentos. Se na região onde a empresa está sediada o capital humano é muito baixo, os custos de recrutamento e substituição de funcionários aumentarão perigosamente. É mais difícil montar uma empresa de software em Maceió do que em Palo Alto ou Santa Clara, no Vale do Silício, na Califórnia.

Ocorre que a educação não é o único componente do capital humano. Temos também a saúde (e a alimentação, e a nutrição). Imaginem se uma empresa fosse responsável por prover ou suprir – com seus próprios recursos – todos esses itens.

No que diz respeito ao capital social, tudo fica ainda mais evidente. Empresas localizadas em sociedades pouco cooperativas têm enormes problemas. Seus custos de transação vão para o espaço. Freqüentemente essas empresas se vêem envolvidas em toda sorte de conflitos com seus colaboradores, fornecedores, clientes e com as populações que vivem nessas localidades. Para mediar esses conflitos, as empresas gastam tempo e outros recursos preciosos que deveriam estar sendo empregados em seus processos de gestão, produção, pesquisa e desenvolvimento (inovação).

O mesmo ocorre com empresas situadas em países onde a segurança jurídica é baixa ou a instabilidade regulatória é muito alta. Empresas nessas condições têm que manter um imenso contencioso de advogados e, não raro, têm que subornar autoridades (parlamentares, governantes, juízes e promotores) para poder se ver livres de processos judiciais ou para poder desembaraçar trâmites burocráticos desnecessários e atender a outras exigências normativas abusivas. Tudo isso, é claro, aumenta a margem de incerteza de investimentos externos que poderiam ser atraídos pelas empresas. Não é por acaso que quem tem 1 milhão de dólares para investir em uma atividade produtiva prefira fazê-lo no Japão, na Islândia, no Canadá ou na Nova Zelândia e não na Bolívia, no Equador, na Nicarágua ou na Venezuela.

Além da insegurança jurídica, também pesa excessivamente no custo da empresa a insegurança pública, por motivos óbvios. Mas segurança pública não depende apenas de uma boa atuação do Estado. Ela depende dos padrões de convivência social e, portanto, reflete diretamente o nível do capital social. Nenhum investidor gostaria de abrir seu novo negócio na Faixa de Gaza; ou mesmo – dependendo do tipo de negócio – em certos bairros do Rio de Janeiro.

Quanto ao capital social, uma empresa sozinha pode fazer menos ainda do que em relação ao capital humano (cujos baixos níveis podem ser parcialmente compensados por programas de capacitação corporativos). Mas ainda que uma empresa pudesse investir maciçamente, com seus próprios recursos, para produzir todo o capital social de que necessita, mesmo assim isso não seria suficiente. Não é bem da natureza da atividade empresarial produzir esse tipo de recurso. O máximo que uma empresa pode fazer é tentar aumentar o seu capital social interno, promovendo métodos de gestão que requeiram iniciativa individual, empreendedorismo coletivo e protagonismo de seus colaboradores. E, fundamentalmente, introduzindo padrões de organização em rede e modos de regulação democráticos dentro da organização.

Ocorre que o capital social flui de um âmbito (público-social) que é maior do que a empresa (privada). Ele é um ambiente sobre o qual a empresa não tem autonomia para interferir sozinha. Uma empresa só poderá fazer isso se estiver aliada a uma parte da sociedade civil – aos cidadãos e suas organizações – da localidade onde está situada.

Portanto, quando se diz que a empresa deve investir no social, isso significa que ela deve investir no capital social da sociedade. Porque a chamada sociedade civil é a única forma de agenciamento capaz de produzir superávits de capital social, ou seja, é o único setor que produz mais capital social do que consome. São esses excedentes de capital social, gerados no ambiente em que a empresa está imersa, que podem ser importados pela empresa a baixo custo, desde que a empresa tenha os canais adequados para tanto. Esses canais são as relações que a empresa conseguiu estabelecer com a sociedade por meio do exercício da sua responsabilidade social. Por eles poderão fluir, tanto o capital humano quanto o capital social de que a empresa precisa, mas que, sozinha, não pode produzir totalmente.

Pode-se ver, sem grande dificuldade, que a explicação faz sentido. Uma empresa que se aliou à comunidade por meio do exercício da sua responsabilidade social será tratada de modo diferente pelo público. Suas múltiplas alianças, estabelecidas com lideranças da sociedade civil, com governos e outras instâncias estatais, a propósito desse trabalho, ao possibilitarem uma interação menos conflitiva e adversarial com as populações, serão capazes de reduzir os famosos custos de transação. E, muito além disso, abrirão novas possibilidades de negócios ou de novos modos de fazer negócios, fortalecendo aquela que será a unidade empresarial do futuro (uma comunidade formada dentro da rede de stakeholders).

É claro que existem maneiras mais eficazes e menos eficazes de fazer isso. Se uma empresa exerce sua responsabilidade empresarial doando cadeiras de rodas para a população, o efeito sistêmico de sua atuação em termos do incremento do capital social será muito pequeno (ou, em alguns casos, poderá até ser negativo: se ela só fizer isso de modo assistencialista, por exemplo). Mas se a empresa investe no ambiente como um todo, lançando mão de programas inovadores de investimento em capital social, como os programas de indução do desenvolvimento local ou setorial, aí os resultados da sua atuação serão bem mais expressivos.

Espero que você possa participar desse debate que ocorrerá na Pós-Conferência Redes Sociais e Sustentabilidade.

Para acompanhar ou participar do debate clique aqui.

Um comentário:

Carmona disse...

Prezado Augusto,
eu já disse no site da Rede Empresarial o quanto apreciei a sua análise, uma das poucas vezes em que vi tão bem sintetizadas as razões pelas quais uma empresa deve pensar em Sustentabilidade. No domingo, relendo, gostei mais ainda pois certas idéias melhoram quando revisitadas.
Hoje li ainda a respeito de empresas, sustentabilidade, um artigo de Belmiro Valverde, um professor com atividades anteriores tanto em governo quanto em grandes empresas. Ali ele aborda a insustentabilidade do modelo atual de desenvolvimento gerado pelo estilo de vida da parte afluente da população mundial e menciona o Global Forum da America Latina como tendo um importante papel no redirecionamento da mentalidade acadêmica e empresarial.
Se continuarmos com essa clareza de pensamentos e obtivermos clareza de propósitos, só falta uma coisinha para começar a mudança: as ações que serão planejadas chegarem a dar resultado e não morrerem antes.