domingo, 15 de junho de 2008

A 3 DIAS DO GFAL

Estamos a 3 dias do início do GFAL. Repito aqui a publicação de um artigo que já está neste blog, mas pouca gente viu.

PARA ALÉM DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Quando falam de sustentabilidade, freqüentemente as pessoas se esquecem de dizer de que sustentabilidade se trata. A do planeta (e aí dá vontade de fazer uma provocação: por que não a do sistema solar, a da galáxia ou a do quadrante em que nos situamos neste universo)? Se não, trata-se então da sustentabilidade da vida na Terra (ou da biosfera)? Ou será que nossa preocupação é com a sustentabilidade do ser humano como espécie? Mas não seria mais pertinente – se estamos tratando de sustentabilidade empresarial – nos preocuparmos com a sustentabilidade das sociedades humanas (e, por conseqüência, das organizações que a compõem, como as empresas)?

Ainda que os padrões (ou os mecanismos, ou os processos) de sustentabilidade possam ser semelhantes, os desafios são diferentes dependendo do âmbito a que nos referimos. E misturar as coisas, achando que organizações (como as empresas) serão sustentáveis se se dedicarem à proteção do meio ambiente (natural), não ajuda muito. Tudo indica que tal providência não é suficiente: uma empresa pode trabalhar o quanto quiser em prol da conservação ambiental, mas nem por isso terá garantida a sua sustentabilidade organizacional. E é duvidoso que suas ações possam contribuir para salvar a vida na Terra.

O planeta vivo – Gaia, na hipótese dos cientistas James Lovelock e Lynn Margulis – tem uma capacidade incrível de conservar a sua adaptação e a sua estrutura básica. "A vida ou a biosfera regula ou mantém o clima e a composição atmosférica em um nível ideal para si mesma" (esta é a hipótese Gaia). O problema, como argumenta Lovelock (1991), é que uma parte de Gaia, composta pelo "restante da criação... moverá inconscientemente a própria Terra para um novo estado, um estado no qual nós, seres humanos, poderemos não mais ser bem-vindos".

Lovelock não está preocupado com a vida em geral, que permanece protegida por um eficiente mecanismo autoregulador, e sim com a vida humana. Essa, sim, corre sério risco de desaparecimento; não por más, mas por boas razões do ponto de vista do sistema vivo global: se os seres humanos forem sacrificados por Gaia, o serão por efeito colateral de um processo que visa, sobretudo, garantir a vida na Terra.

Não estamos obrigados a aceitar os juízos políticos que Lovelock deriva dessa espécie de determinismo biológico fatal. Em um prefácio de 2004, ao artigo "Gaia: medicine for an ailing planet" ele faz um apelo a todos os ambientalistas para que:

"Ponham de lado os seus temores sem fundamento [por exemplo, em relação ao progresso científico-técnico na sintetização de alimentos ou na utilização da energia nuclear] e a sua obsessão exclusiva em relação aos direitos humanos [e essa é uma conclusão, digamos, pelo menos temerária, em um tipo de civilização como a que vivemos]... Sejamos corajosos o bastante - exorta Lovelock - para reconhecer que a verdadeira ameaça provém dos danos que causamos ao ser vivo que é a Terra, da qual fazemos parte, e que é realmente o nosso lar".

Sim, mas essa não é a única "verdadeira ameaça": estamos diante de várias outras ameaças, que não podem ser consideradas como não-tão-verdadeiras.

Lovelock endossa as palavras do seu cientista-chefe, Sir David King, o qual declarou, no início de 2004, nos Estados Unidos, "que o aquecimento global é uma ameaça maior do que o terrorismo". Talvez até seja. Mas isso não pode desviar nossa atenção das ameaças à democracia e ao desenvolvimento humano e social sustentável, que são tão verdadeiras e tão presentes quanto a ameaça do aquecimento do planeta.

Não é uma questão de comparar riscos. É claro que o desaparecimento da espécie humana anulará todas as preocupações humanas. Mas, de certo modo, algum dia a nossa espécie desaparecerá mesmo: pelo menos neste planeta, com a extinção do sol (que deixará de ser uma estrela amarela daqui a aproximadamente 5 bilhões de anos); ou nesta galáxia, que está marcada para morrer (como já se sabe, a nossa Via Láctea está em rota de colisão com a galáxia de Andrômeda, a 125 quilômetros por segundo e o desastre ocorrerá nos próximos 10 bilhões de anos); ou neste universo, com o "Big Crunch".

Ocorre que, por meio do que chamamos de social, estamos construindo um mundo humano, que tem como base o mundo natural, mas que não é conseqüência do mundo natural. A tentativa humana de humanizar o mundo (ou, para usar uma expressão poética, de humanizar a "alma do mundo" por meio do social) é uma espécie de segunda criação... Para quem pensa assim, a vida é um valor principal, mas não o único: certos padrões de convivência social, além da vida (biológica) – como a cooperação ampliada socialmente ou a vida em comunidade, as redes voluntárias de participação cidadã e a democracia na base da sociedade e cotidiano do cidadão – também constituem um valor inegociável, quer dizer, um valor que não pode ser trocado pelo primeiro.

Vamos caricaturar um pouco uma hipotética situação de escolha, para mostrar o sentido do argumento. Se alguém nos dissesse que, para continuar existindo como espécie, nós, os seres humanos, nunca mais poderíamos materializar, em nossa convivência social, a cooperação, o voluntariado, as redes e a democracia, a troca valeria a pena? Quem de nós poderia aceitar tal trade off, condenando nossa espécie a viver, por exemplo, (não apenas mil anos, mas, digamos, um milhão de anos ou mais) naquele III Reich com que sonhavam Hitler e seus colaboradores sociopatas e psicopatas?

Em outras palavras, não podemos esquecer tudo isso para nos dedicarmos agora somente a tentar retardar o desaparecimento biológico da espécie. Não vale ser salvo da destruição para viver em um mundo desumanizante.

Isso não significa que devamos agora descurar das ameaças ambientais. Mas se nossa preocupação é com a sustentabilidade das organizações humanas que fazem parte da sociedade – como as empresas – os fatores propriamente humanos e sociais devem ter um peso tão decisivo quanto (ou até mais decisivo que) os fatores naturais (ambientais), não?

Aquilo que devemos preservar é, justamente, o que pode nos preservar como sociedade tipicamente humana. Cooperação, voluntariado, redes e democracia são os elementos da nova criação humana – e humanizante – do mundo, que lograram se configurar como padrões de convivência social, que vale realmente a pena preservar. E são esses os elementos que podem garantir a sustentabilidade das sociedades humanas e das organizações que a compõem.

Nenhum comentário: